EXPEDIÇÃO EXODONTIA - 23.04.2016.
EXPEDIÇÃO COM OS SEGUINTES MEMBROS DO GAIA SPELEO CURVELO:
TONHÃO COSTA, GERALDO PEREIRA, CARLOS KARATE OLIVEIRA, MARCELO MOURA E SEU FILHO ANDRÉ. LOCALIZAMOS O ABRIGO COM INSCRIÇÕES RUPESTRES E MAIS UMA GRUTA A DE NUMERO SETE NAQUELE MORRO.
Relato da Expedição Exodontia
O nome da expedição - Exodontia - é uma lavra criativa do Marcelo Moura e faz uma alusão ao dia anterior, dia de Tiradentes.Saímos de Curvelo Tonhão, Marcelo Moura, seu pequeno e valente filho André e eu impreterivelmente às 08h30min, destino mais uma vez Morro do Coroado, Presidente Juscelino. Nesta cidade encontramos com o Carlos Karatê. Fomos a uma padaria onde nos abastecemos com água e algumas miudezas além das que levávamos, já que o tempo de estadia no Coroado nessas atividades é impreciso, e não se pode estimar com presteza o tempo gasto. Doravante, o desgaste físico também é evidente, sempre quando finda uma tarefa assim todos se mostram extenuados. Depois desses pequenos afazeres seguimos para o Coroado. As 09h30min, mais ou menos, estávamos no sopé do morro. O objetivo dessa vez era chegar a um paredão com inscrições ainda não bem registradas pelo lado mais conhecido, traçando uma rota entre todas as inscrições, por isso o fator mais importante em relação a esse trecho era colher as suas coordenadas geográficas. Começamos a subida pelo trecho tradicional, margeando o lado direito do Morro, por esta face oeste, à beira do abismo que insiste em nos lembrar da terrível retirada de pedras que ali ocorreu outrora. Sempre nos questionamos sobre quantas riquezas não foram perdidas com o estrondar das dinamites. Seguimos pelo primeiro trecho até próximo a gruta 1, quando decidimos rumar definitivamente pela direita, por um ponto onde há pedras desmoronadas ao que parece por dinamitação. Esse desmoronamento fez surgir (ou ela já havia e foi danificada por ele) uma cavidade muito distinta, o que nos fez avaliar com acurácia se não existiam ali possíveis escrituras. Seguimos margeando até próximo os restos de uma barriguda - Ceiba pubiflora (A.St.-Hil.) K. Schum. (Malvaceae). Essa árvore se partiu bem no ponto de início da “finura”, ficando a "barriga" em pé, por entre as pedras.
Ato contínuo Marcelo e seu filho se juntaram a ele. Eu avancei subindo vagarosamente verificando o belo entranhamento das cactáceas na rocha. Mais surpreendente que elas apenas as gameleiras - que nos assustam com sua força abraçando, furando e estrangulando as pedras. Detive-me diante uma Tillandsia (Bromeliácea) agarrada em uma arvoreta. Ela lançava seus frutos favos no ar. O Marcelo percebeu o meu interesse e se aproximou para fotografá-la também. Versamos sobre ela, o fato de não trazer nenhum mal à planta hospedeira e buscar os seus nutrientes no ar. Pena não termos encontrado em nenhuma das expedições exemplares floridos. Seguimos um pouco mais, nos afastando de forma considerável do Carlos Karatê e decidimos esperá-lo. Ele então surgiu em outro ponto, um trecho assim: a sua esquerda uma enorme fenda da qual não se via o fim, a sua frente um terrível cansanção ou urtiga - Cnidoscolus sp. (Euphorbiaceae) e a sua direita um enorme cacto enfeitado com belos espinhos. Voltar seria demasiado dispendioso. Peguei o facão com o Marcelo e cortei a urtiga. Logo o Carlos se arranjou e saiu dali. Fizemos nesse momento então uma parada para nos reidratar e alimentar. Sentados na pedra, divagamos assuntos sem importância. Fotografei nesse ponto diversas coroas-de-frade - Melocactus levitestatus (Buining & Brederoo).
Após o descanso de uma meia hora seguimos determinados a parar apenas no Cruzeiro que existe no topo. Seguimos dessa vez num passo mais ligeiro, atingindo em pouco tempo um trecho sem pedras, que demonstra ter sido um cerradão bastante interessante, hoje substituído por pastagem. Antes de chegarmos ao Cruzeiro, porém, uma nova parada. Sentamos ali entre arbusto, tentando decifrar os contornos das montanhas em nossa frente. Tonhão avistou uma formação que seguia em certo trecho, escondendo-se entre os vales. Pediu que eu observasse com a máquina, dei zoom o mais que ela permitia e fotografei. Entramos em um consenso que seria um curso d'água. Sabíamos que a nossa frente estava o Rio das Velhas. Seria ele? Acho que o Marcelo ou o Carlos Karatê, um deles, negou a possibilidade de ser o famoso rio, tratando de esclarecer que ele estava mais adiante daquele ponto. Não rendemos nesse assunto, passando a procurar as edificações de Curvelo. Eu não vi nada, confesso, ao passo de Tonhão já avistara até mesmo o prédio Pioneiro (Prédio da Associação). Acredito que zombava. Visto mesmo, em sua formosura roseana, ativo recadeiro, o Morro da Garça. De cima do Coroado é possível vê-lo em forma e jeito, solitário entre léguas e léguas de eucalipto. Certo que tinham nele, os tropeiros, nos tempos de andação e mata mãe um segue rumo, farol incrustado nos mares secos sem fim dos gerais. Partimos dali, já que o dia ia avançando.
Tonhão fez o registro das coordenadas geográficas e partimos do ponto das escrituras felizes, confesso que a minha extenuação era ínfima diante a alegria de ter chegado àquele ponto, o derradeiro com inscrições que ainda faltava ser catalogado. Avistamos os demais companheiros que estavam acampados em um trecho a uns dez metros acima de nós. Tonhão seguiu reto até eles, eu segui ainda mais a frente, procurando um ponto melhor para subir. Não sei, mas acredito ter encontrado uma passagem bem menos rude que ele, pois logo estava no paredão acima, paralelo a Marcelo, André e Carlos e bem adiante. O Coroado ainda me ofereceu um acalentável ponto sobre uma refrescante sombra. Coloquei a câmera com cuidado em uma pedra tabulada, a mochila em um canto e deitei, não sem antes tomar um belo gole de água e comer da ração que sempre levo nessas empreitadas e me dá energia para vencê-las. Fiquei pensando nas pessoas que fizeram aquelas inscrições e principalmente na ligação que elas tinham com o peixe. Não há uma lapa, um paredão escrito sem que o peixe esteja presente, alguns desenhados com tamanho esmero que, com um pouco de esforço e pesquisa é possível mesmo determinar a espécie. No outro ponto Tonhão já havia alcançado os demais expedicionários e descansavam, falando coisas diversas e confirmando nos aparelhos as coordenadas. De onde eu estava falei em voz alta: "Sempre que viemos nesse lugar vemos um monte de peixes, mas nunca comemos peixe por aqui". Um silêncio veio de onde eles estavam, deveras não deram azo ao que eu disse ou lograram ser uma grande bobagem que não mereceria réplica. Variações de um cansado, talvez isso. Logo percebi que já estavam vindo em minha direção. Fizemos, a partir de então, o caminho de volta.
Sempre considero a descida o momento mais complicado, pois sempre nos perdemos. E dessa vez não foi diferente. Chegamos bem até o Cruzeiro, onde fizemos mais outro repouso para repor as energias. Conversamos aí sobre saúde e principalmente fatores transcendentais, a vida extraterrena e a possibilidade de sermos bem mais perigosos aos ulteriores que eles a nós. A origem de Cristo, o bem e o mau, a Assunção, o momento político e seus personagens, suas dicotomias, semelhanças e diferenças com os reis cangaceiros. Suba uma montanha e você vai falar sobre esses assuntos ou outros de gênero. Voltamos então à descida, ainda em implicações metafísicas.
Uma grande surpresa, no entanto estava por surgir. Enquanto Marcelo e eu fotografávamos a aranha Tonhão gritou: "Olha lá o macaco, olha lá o macaco!". Vi apenas ele subindo ligeiro um paredão e sumindo sobre o tabuleiro que outrora havíamos transposto com imensa dificuldade. Era um primata branco, de cara preta e rabilongo. Acreditamos que seja o raro mono carvoeiro (Brachyteles arachnoides). Procurei por ele ainda todo o restante do caminho. Nenhum sinal mais de sua presença ou de algum outro. Não conseguimos registrá-lo fotograficamente, o que é uma pena, já que não é possível pelo que avistamos certificar com segurança a espécie.
Ainda tivemos um pouco mais de dificuldade para encontrar a saída. Fezes frescas de mocó (Kerodon rupestris) estavam sobre as pedras, fator interessante já que nas investidas anteriores não tínhamos encontrado tais resquícios.
Chegamos a uma estrada muito à esquerda do ponto de entrada, o que nos fez concluir que demos uma imensa volta em torno do Coroado. Chegamos ao carro por volta das 15horas e 30min e, depois de um breve descanso, seguimos para Presidente Juscelino. Fizemos um lanche reforçado na mesma padaria da chegada - aliás, a mesma padaria onde sempre passamos em nossas jornadas. Deixamos Carlos Karatê em sua casa - não sem antes registrar o Rio Cipó/Paraúna onde uma senhora lavava roupas e a velha ponte figurava ainda as suas colunas, numa lembrança fugaz do passado.
E assim findou a Expedição Exodontia.