TONHÃO COSTA, GERALDO PEREIRA, MARCELO MOURA E SEUS FILHO PEDRO E ANDRÉ.
Mapa da Expedição Ex Escravos de Jó |
A alcunha da expedição - Ex escravos de Jó - é mais uma lavra do Marcelo Moura. Sempre impreterível, à inglesa: Saímos de Curvelo às 11:00 horas da manhã. Em poucos mais de 30:00 minutos chegamos no Morro do Coroado.
Deixamos o carro e seguimos para o caminho à esquerda do
Coroado, acessível após se transpor uma cerca de arame liso. Seguimos por essa
estrada sempre atentos, pois a intenção principal dessa vez era reencontrar o
ou os primatas que avistamos na Expedição Exodontia para confirmar a
identificação. Não logramos êxito. Por todo o percurso toquei o playback da
vocalização das espécies que poderiam ser - muriqui-do-sul ou mono-carvoeiro (Brachyteles arachnoides) ou muriqui-do-norte (Brachyteles hypoxanthus). Não sei exatamente
se o playback serviria para alguma coisa, é uma técnica muito boa para aves -
mas não custa nada tentar. Chegamos a um ponto em que comumente lanchamos
quando seguimos essa rota onde Marcelo e Tonhão debatiam sobre a que rumo seguir.
Pelo GPS Marcelo orientou que subíssemos. Fomos reto então por esse ponto, até
chegarmos a um local onde as pedras se encontram bastante descobertas da
vegetação e de qualquer estrato terroso. Como se tivessem sido depositadas umas
sobre as outras propositalmente. Mandacarus (seriam
mesmo?) cresciam aqui e ali. Pedro, o filho mais velho de Marcelo, se pôs a
cortar com um facão um belo espécime desses cactáceos. Recebeu uma lição de seu
pai sobre a importância de mantermos intacto o ambiente que visitamos. Aliás,
investido da autoridade paterna e envergado na sapiência que o cargo lhe
empresta, ele puxou para a conversa o seu outro filho, André. Deixou claro que
a nossa missão é tão somente analisar, colher as informações que os seres e as
coisas nos fornecem. Não podemos interferir negativamente com a nossa busca
pelo conhecimento. Aquela foi uma pontual, interessante e necessária aula de
educação ambiental.
Saímos da Gruta do André partindo a direita sobre ela. Após
uma subida relativamente tranquila nos deparamos, apenas com o percalço de
algumas pedras soltas, mas plenamente transponíveis, com um trecho
de descida mais complexo. Tonhão já se
encontrava bem à frente enquanto Marcelo auxiliava os seus filhos na descida. Atrás,
analisei sobre as árvores se via algum vestígios dos primatas.
Do ponto onde eu
estava era possível ver a pedra aonde vimos ele subir ligeiro na expedição
anterior. Argumentei que devíamos seguir em frente e logo estaríamos naquele
local. Marcelo positivou a minha opinião pelos dados do GPS. - Se a gente
seguir uns 50 metros aí em frente vamos chegar nela. Seguimos, portanto. Era
possível ouvir com nitidez o zunizar de abelhas. Muitas abelhas. Pensei comigo
que poderia ser um enxame em revoada, ou talvez estivessem
alvoroçadas com a nossa presença. Preocupei-me com a possível defesa dos
insetos (sou terminante contra a ideia de que o animal ataca o ser humano.
Raras vezes isso é verdade. Quando um animal, seja ele qual for tenha ele o
porte e a agressividade que tiver nos agride ele está apenas se defendendo.
Defendendo a sua casa, a sua cria, o seu território. Infelizmente incutimos nos
demais seres vivos a ideia de que somos uma ameaça. Ameaça que somos, devemos
ser evitados, achincalhados, expulsos! É a lei a sobrevivência).
Encontramos um local que dava em um despenhadeiro. Recuei.
Tonhão chegou a beira e atestou ser o local intransponível. Recuamos todos,
fazendo o caminho inverso. Subimos a fenda que custamos a descer e atingimos a
porta da gruta recém-descoberta. Paramos para descansar e nos alimentar. Após
um breve período decidimos descer e encontrar a estrada novamente. Tonhão
exclamou interrogante, como um esbravejo: - Caramba sô, será que nos perdemos
de novo? O "de novo" se explica pela tônica das outras expedições,
sempre recheadas de "estamos perdidos". Encontramos a estrada e
sentamos no chão mesmo. Enquanto analisavam os dados das máquinas eu toquei o
pula pula (Basileuterus culicivorus), o balança-rabo-de-máscara (Polioptila dumicola) o cabeçudo (Leptopogon amaurocephalus) e o
chorozinho-de-chapéu-preto (Herpsilochmus atricapillus). Todos responderam bem, mas um casal de pula pula
se mostrou bastante territorialista. Mesmo depois de muito tempo de ter parado
de tocar a sua vocalização eles insistiam em nos seguir pelo topo das árvores.
Nesse ínterim percebi que os quatro companheiros subiam novamente ligeiramente
alinhados à esquerda. Eu subi também, mas à direita. Cheguei sobre um pequeno
elevado de onde avistei uma bela barriguda (Ceiba pubiflora) florida. Argumentei que tínhamos de seguir à direita. Tonhão queria à esquerda. Marcelo era da minha posição.
Tínhamos um breve impasse. Sentaram-se lá onde estavam, argumentando, enquanto
os meninos balbuciavam entre si. Não participei dessas averbações por estar
demasiado a frente. Depois de um breve debate eles aprumaram ao meu rumo. Logo
entendi que o Marcelo havia convencido o Tonhão, pelos dados do GPS, que havíamos
andado quase que em círculos. Subimos portanto - e demos de cara com a gruta
das abelhas! A toca da aranha-maria-gorda (Nephilengys cruentata)! O paredão onde o macaco havia subido com extrema ligeireza quando da Expedição Exodontia. Marcelo e os filhos
sentaram-se aliviados e puseram-se a lanchar. Argumentei com Pedro se ele já
havia visto as pinturas rupestres. Ao responder negativamente Tonhão e eu o
convidamos a vir assistir in loco a história. Era uma gruta com inscrições já
observadas na Expedição Mula-sem-cabeça (que devemos descrever em breve).
Ficamos felizes ao perceber que haviam outras pinturas. Mais uma vez os peixes eram protagonistas. Uma figura arredondada com quatros pontos saindo como que esgalhados da sua parte superior me chamou mais a atenção. Para mim é trata-se da representação de uma Ceiba pubiflora. Eu, no lugar de um pintor de outrora, não deixaria de tentar representar aquelas belezas imponentes.
Próximo a uma fenda, na base inferior de uma rocha, diversas
pinturas se encontravam sob uma fina manta calcária. Tonhão aventou se
deveríamos tentar retirar essa camada, eu disse a ele que não seria prudente de
nossa parte nenhuma tentativa, já que não temos experiência para tal
empreendimento. Deveríamos agir como agimos com as demais pinturas: jamais manipular, jamais tentar limpar -
apenas observar. Documentamos essas novas inscrições enquanto as abelhas
ficavam cada vez mais arredias. Eu disse ao Tonhão que era a hora de sairmos dali,
caso contrário teríamos dissabores com as Apis melifera. Fomos
então para onde estavam Marcelo e André. Aproveitamos para lanchar e descansar.
Um acauã (Herpetotheres cachinnans) cantava ao longe.
Andei ali por perto olhando o paredão. Um ponto preto voou e
se empoleirou em um chichá (Sterculia striata).
Fotografei de longe. Era uma maria preta (Knipolegus sp.). Não pude comprovar
a espécie com exatidão já que as fotos ficaram demasiado ruins. Subi com
dificuldade um caminho até ao seu encalço sempre tocando o playback dos mais
variados Kinopolegus possíveis de ser encontrados na região.Em vão, a ave desapareceu sobre o Coroado.
Desci desse ponto
desapontado e fui em direção aos demais exploradores que continuavam em
repouso. Sentei ali novamente um pouco, mordiscando uma maçã que Tonhão me
ofertou. Eu estava de certa forma inquieto e levantei-me novamente. Não que havia
algum incômodo, mas simplesmente não conseguia ficar parado. Avancei à direita ouvindo
a vocalização das aves. Pude comprovar a presença do pica-pau-anão-barrado (Picumnus cirratus),
um bando de gralhas, distantes, acredito que picaça (Cyanocorax chrysops), pitiguari (Cyclarhis gujanensis),
graúnas (Gnorimopsar chopi) - que sempre vocalizam da fazenda depois da estrada
que leva ao Coroado. Logo Tonhão me alertou de que estavam começando a
descida definitiva. Descemos reto, saindo logo na estrada, bem no ponto onde
havíamos parado para lanchar. Enquanto eu comia uma maçã e fotografava uma
abelha das orquídeas (família Apidae, tribo Euglossini) Marcelo e Tonhão demarcavam aquele ponto para que nunca
mais nos perdêssemos partindo dele.
Voltamos para o carro e demos término à Expedição Ex Escravos
de Jó. Seria de se esperar uma frustração por não termos encontrado o ou os
macacos, mas encontramos uma nova gruta e novas pinturas rupestres. A pior expedição
é aquela em que sequer chegamos a sair de casa para executá-la. Em campo todo
resultado é positivo.